leandro marques's profile

Me Curar em Mim: as Cidades Negras

“Imagens curam imagens”, diz a artista Rosana Paulino, dessa frase vem a construção da série Me Curar em Mim: as Cidades Negras. Pela intersecção de fotografias, da minha vivência enquanto jovem negro e de 03 pinturas coloniais, busco demonstrar no processo da colagem digital a metamorfose da imagem negra: saindo de uma tela branca e partindo em busca do protagonismo do sagrado, da valorização, da estima e do delírio na cidade; da cura da memória e da dor ainda sentida pela a cicatriz colonial.
_____________________
Zumbi
_____________________
Quilombo
_____________________
Anastácia
Sobrevivendo no Inferno é um dos álbuns de RAP mais icônicos lançados no Brasil na década de 1990 pelo grupo musical Racionais MC’s. As músicas são um manifesto, alerta e louvor às condições da população negra na sociedade brasileira. 30 anos desde o lançamento do álbum e mesmo assim algumas estatísticas ainda se mostram muito preocupantes: segundo o Atlas da Violência (2021), em 2018, para cada um indivíduo não negro assassinado, 2,7 negros foram mortos.

O reconhecimento das atuais cidades marginalizadas nos mostra que o racismo antinegro surge como um meio de autolimitação do povo negro e de instrumentalização de seus corpos em nome da garantia da narrativa de hegemonia e domínio do ser branco, aquele que importa, que deve ser preservado e respeitado. Qualquer fuga que ponha em risco esse ideal é passível de controle e é nesse contexto, para descrever as sociedades contemporâneas e a normalização com a morte de diversos povos considerados minorias sociais, que Achille Mbembe (2018) traz o conceito de Necropolítica e Necropoder: a política e o poder da morte, que incidem sobre aqueles que têm aceitabilidade para morrer, que são descartáveis, aqueles que precisam sobreviver no inferno das Cidades Atuais.

Qual seria então o lugar em que o Direito à Cidade é garantido a todos, todas e todes? Em que os problemas da população negra sejam legitimamente reconhecidos? Em que o embranquecimento não seja a baliza de estética e desenvolvimento? De onde partimos e onde queremos chegar ao não garantir a cidade a esses povos? A todo dia assassinar uma Marielle e um Miguel e tantos(as) outros(as) pelo racismo e outras formas de opressão? Até quando repetiremos os mesmos erros e as mesmas práticas?

A imagem surge então como uma forma de des/reconstrução dessa narrativa negativa, dessa marginalidade imposta pelo olhar colonial (MELO; SILVA, 2022). “Imagens curam imagens” afirma a artista Rosana Paulino, a partir dessa frase surge o título da série aqui trabalhada, Me Curar em Mim: a Cidade Negra. A partir da intersecção de fragmentos de fotografias, da minha vivência enquanto um jovem autodefinido negro e de 03 pinturas coloniais: Zumbi de Antônio Parreiras, Quilombo de Palmares de Albert Eckhout e Retrato da Escrava Anastácia de Jacques Arago.

Nela busco representar o processo de construção de colagens digitais, como uma edificação da cura da memória e da dor ainda sentida pela a cicatriz colonial. A construção de um pensamento, da esperança de poder me fazer ser verdadeiramente visto e, assim, dos meus serem vistos: em cenas que não de dor, mas de uma metamorfose, saindo da tela branca e partindo em busca do protagonismo do sagrado, da valorização, da estima e do delírio nos espaços da cidade.
Referências

CERQUEIRA, Daniel et al. Atlas da Violência 2021. São Paulo: FBSP — Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2021. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/ar-quivos/artigos/1375-atlasdaviolencia2021completo.pdf. Acesso em: 20 nov. 2021.

MBEMBE, Achille. Necropolítica. 3. ed. São Paulo: N-1, 2018.

MELO, Thalita Carla de Lima; SILVA, Maria Angélica. DAS MARGENS ÀS GALERIAS MIDI-ÁTICAS: montagens e remontagens poéticas nas produções de artistas visuais negros contemporâneos. In: DIAS, Juliana Michaello Macêdo; OLIVEIRA, Roseline Vanessa Santos. Temporalidades e apropriações: representações e processos do habitar. Curi-tiba: CRV, 2022. 138 p.

SOBREVIVENDO no inferno. Racionais MC’s. São Paulo: Cosa Nostra Fonográfica, 1997. Álbum de música (108 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fV-Q3YYnic2o. Acesso em: 23 out. 2020.
Me Curar em Mim: as Cidades Negras
Published:

Me Curar em Mim: as Cidades Negras

Published: